sábado, 27 de setembro de 2008

O adeus de Paul Newman

Com Joanne Woodward, um casamento que atravessou décadas


Durante os testes para o filme Vidas Amargas, em 1955, James Dean, numa brincadeira, sussurra no ouvido do ator que estava tentando o papel de seu irmão no filme: “Me beije”. O então estreante Paul Newman devolve num tom bem sensual: “Não aqui”. Os dois caem na gargalhada, e o diretor Elia Kazan substitui o piadista por Richard Davalos. No ano anterior, ele também perdera na audição o papel que o mesmo Kazan destinara a Marlon Brando, em Sindicato dos Ladrões.

Apesar do rosto de ângulos perfeitos, dos olhos azuis em tom turquesa profundo, de uma qualidade ímpar de rir de si mesmo, as coisas não foram tão fáceis no começo da carreira de Paul Newman. Nascido em 1925, com mais de 60 filmes no currículo e diretor de sucesso, Newman é conhecido por ter sido ativista de causas de esquerda na política americana e um dos astros mais dedicados à caridade. Nunca deixou que suas doações milionárias ganhassem publicidade. O último galã da era de ouro do cinema americano teve de enfrentar, nos últimos tempos, um câncer de pulmão. No começo do mês, depois de longas sessões de quimioterapia, pediu aos médicos e à família que o deixassem morrer em casa. Foi atendido. Deixou o Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, em Nova York, rumo a sua casa em Westport, Connecticut, nos Estados Unidos. A casa fica perto de um lago – amigos próximos dizem que ele é o pior pescador da Costa Leste. Na saída do hospital, levado de cadeira de rodas por sua mulher, Joanne Woodward, um repórter perguntou a Newman do que ele estava se tratando. Em seu melhor estilo, respondeu: “Pé-de-atleta e queda de cabelo”.

Paul Newman é provavelmente um dos rostos mais conhecidos do cinema. No final dos anos 60, quando também era considerado um dos homens mais lindos de Hollywood, William Goldman, o roteirista de Butch Cassidy and the Sundance Kid, afirmou à revista Time que era provável que Paul Newman não soubesse que era Paul Newman.

A obra de Newman vai além do cinema. Pouco se fala na Newman Own, sua empresa de molhos de salada e biscoitos, que, só em 2005 e 2006, doou US$ 120 milhões para caridade. Ou no Wall Gang Camp, o espaço arborizado, com lago, em Connecticut, criado por Newman para que crianças com câncer ou HIV pudessem curtir a infância. O nome foi uma homenagem à gangue a que pertenciam o personagem dele e o de Robert Redford em Butch Cassidy, um dos filmes mais importantes de sua carreira. Em entrevistas, o próprio Newman diz que esse filme conseguiu traduzir o espírito daquele tempo. Falava-se sobre heróis fora-da-lei, de amigos que não queriam se separar. Era como uma lufada de ar fresco para um país que vivia a Guerra do Vietnã e a eclosão de manifestações e violência nas ruas. A bela morena do filme, Katharine Ross, que interpreta a cena do passeio de bicicleta na garupa de Butch ao som de “Raindrops Keep Falling on My Head”, disse uma vez que ninguém percebeu que o filme falava da paixão entre dois homens. E Newman, com aquele sorriso maroto de lado, concordou.

Essa malícia, ele aprendeu lidando com o público na loja de artigos esportivos de seu pai. Newman serviu a Marinha americana durante a Segunda Guerra Mundial como operador de rádio. Foi dispensado dos trabalhos como piloto porque seus belos olhos azuis eram daltônicos. Após a morte de seu pai, em 1950, ele ingressou na Tale School of Drama. Logo seguiu para Nova York, onde se formou no Actor’s Studio. Nos anos 80, foi presidente dessa escola que formou astros como Marlon Brando, Dustin Hoffman, Robert De Niro, Jack Nicholson e sua futura mulher, Joanne Woodward. Durante sua gestão, ficou famoso por contrariar o diretor-artístico da instituição, que convidou Madonna para fazer parte do grupo. Newman recusou a diva pop porque ela não fizera o teste, como todos os outros.

Em 1958, ao contracenar com Liz Taylor, em Gata em Teto de Zinco Quente, recebeu sua primeira indicação ao Oscar de melhor ator. O único Oscar de sua vida só viria em 1986, por A Cor do Dinheiro, filme sobre jogadores, dirigido por Martin Scorsese, em que Newman contracenou com Tom Cruise. Ele não compareceu à cerimônia no Kodak Theatre, em Los Angeles. Mais tarde, disse que sentia como se tivesse conquistado uma mulher linda por quem fora apaixonado durante toda a vida. Agora, porém, preferia relaxar. “Sinto muitíssimo, mas estou cansado”, disse.

Newman sempre protegeu sua vida privada. E a de seus filhos. Três do primeiro casamento, com Jackie Witte, e as três meninas com a atriz Joanne Woodward. O clã nunca foi fotografado em férias, em estréias e, apesar da biografia Paul and Joanne, em que Joe Morella e Edward Epstein afirmavam que o casal não tinha uma vida harmoniosa juntos, eles nunca estiveram separados. É famosa a declaração de Newman sobre a mulher: “Joanne realmente desistiu da carreira dela por mim, ela se plantou a meu lado para fazer nosso casamento funcionar”.

Um dos raros momentos em que aparecia fora dos filmes era quando estava praticando corrida de carros. A paixão pelo automobilismo surgiu depois do laboratório para o filme 500 Milhas (1959), em que faz um piloto. Hoje, Newman está no Livro Guinness de Recordes como o mais velho piloto a vencer a prova das 24 Horas de Daytona. Outro título que Newman sempre ostentou foi o posto de 19º inimigo na lista do presidente Richard Nixon.

Newman nunca vendeu foto de seus filhos para revistas de celebridades e, quando fez caridade, nunca apareceu em noticiários. Diferentemente dos astros contemporâneos, sempre atuou nos bastidores. No auge de sua beleza, no final dos anos 60, só perdeu em quantidade de cartas de fãs nas caixas postais dos estúdios de Hollywood para um galã de outra época, o caubói John Wayne. Paul Newman será sempre lembrado pelo volumoso conjunto de sua obra. Mas não há como esquecer o sorriso de lado e os olhos de tirar o fôlego.

Marianne Piemonte
http://revistaepoca.globo.com/ (23/08/2008)

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