Visto assim, de perfil, com o olhar perdido num horizonte que não está ali, mais parece uma triste figura. Não é, caro leitor, não é. Seu Sérgio, ou apenas Gaúcho, como é conhecido há décadas em todos os bares da Lapa, é uma daquelas personagens únicas da baixa boemia carioca, talvez do mundo inteiro. Dessas que não deixarão substitutos quando se forem.
Gaúcho, caro leitor, é um fotógrafo de botequim. O único a ainda exercer uma profissão que, em outros tempos, já teve dezenas de representantes nos bairros mais boêmios do Rio. Hoje, ele é o último.
Há 38 anos, a vida de Gaúcho é rodar as madrugadas da Lapa, onde mora, oferecendo-se para registrar os momentos de alegria etílica dos frequentadores das melhores e piores casas do bairro. Nos bons tempos, seu instrumento de trabalho era uma Rolleiflex, cujos filmes ele mandava revelar diariamente no seu laboratorista de confiança. Hoje em dia, que não existe mais Rolleiflex, nem laboratoristas de confiança muito menos gente disposta a esperar pela revelação de sua foto, Gaúcho usa uma velha Polaroid azul. Só a vestimenta não mudou: ainda é o mesmo terno escuro de gravata borboleta, cada dia mais surrado pelo uso.
Nos bons tempos, quando as máquinas digitais ainda eram só um delírio de ficção científica, Gaúcho tinha muito serviço. Fazia mais de mil cliques por mês. Entre seus fotografados, passava uma matiz de personalidades tão distintas quanto Madame Satã e Austregésilo de Athaíde. Hoje, os dias andam bicudos. Com a proliferação da fotografia digital, Gaúcho enfrenta uma concorrência imbatível, que limitou seu trabalho a menos de 150 fotos por mês. Trinta e sete por semana. Pouco mais de cinco fotos por dia.
Números parcos, que fazem do fotógrafo um insistente, um sobrevivente. E o já baixo faturamente, ele reconhece, mingua mais a cada ano. Mesmo assim, Gaúcho não desisite. A razão, caro leitor, é simples:
- Não sei fazer mais nada nessa vida - ele diz.
Mas que não se encare a declaração como um bramido de lamento. Pelo contrário: com a ajuda do sorriso franco e modesto, a frase soa como uma profunda, uma tocante, uma genuína declaração de amor pelo ofício.
http://oglobo.globo.com/blogs/juarez (16-05-2006)
Nenhum comentário:
Postar um comentário