Um garoto de ouro: orgulhoso, doutor Paulo Machado de Carvalho afaga Pelé no vestiário depois da conquista do título
Desde o começo de sua preparação para a Copa do Mundo, no início de abril, a seleção do Brasil já sabia que contava com uma jóia rara, um tesouro cuja descoberta seria capaz de mudar seu futuro para sempre. Três dias antes de viajar para a Europa, contudo, o escrete quase perdeu esse diamante bruto pelo caminho. Era o último amistoso da equipe antes do embarque. O adversário era o Corinthians, no estádio do Pacaembu. O jogo valia só pela preparação do selecionado (e para engordar o caixa da CBD, que gastaria uma fortuna na viagem à Europa). A jóia brasileira estava no gramado: Edson Arantes do Nascimento, ou simplesmente Pelé, um prodígio de apenas 17 anos. E não é que Ari Clemente, um tosco zagueiro do time paulista, desferiu uma botinada quase homicida no joelho direito do novo craque? Pelé berrou de dor, saiu do gramado aos prantos e deu sinais de que poderia não se recuperar a tempo de jogar o Mundial. Seria possível que, por uma tolice dessas, o Brasil perderia a chance de apresentar ao mundo um talento ímpar como o do menino?
O amistoso foi mesmo um desastre. Não pelo resultado - 5 a 0 Brasil, sem o menor esforço -, mas sim pela recepção lastimável concedida ao escrete. Além da sapatada em Pelé, houve sonoras vaias ao Brasil. A torcida do Corinthians queria a convocação de Luizinho, de 28 anos, que jamais emplacou na seleção e joga justamente na posição de Pelé. Revoltados, os integrantes da comissão técnica tentavam acalmar o garoto no vestiário e diagnosticar com precisão qual tinha sido a gravidade da lesão. A notícia dada pelo médico Hilton Gosling era preocupante: Pelé podia não ficar curado até a Copa. Por ser tão moço, contudo, ainda tinha uma tênue esperança de melhorar no decorrer do torneio. O comando técnico podia cortá-lo ali mesmo, evitando decepções futuras. Mas resolveu apostar em Pelé. Talvez tenha sido a providência decisiva da seleção para conquistar a Copa pela primeira vez. Depois de uma semana, já em solo europeu, Pelé, ainda de joelho inchado, pediu voluntariamente para ser cortado. Mas Feola e Gosling não desistiram.
Senhoras e senhores, conheçam Pelé, a maior revelação da história das Copas. Até onde pode chegar este prodígio de apenas 17 anos? E quantos Mundiais será capaz de conquistar?
Desde o começo de sua preparação para a Copa do Mundo, no início de abril, a seleção do Brasil já sabia que contava com uma jóia rara, um tesouro cuja descoberta seria capaz de mudar seu futuro para sempre. Três dias antes de viajar para a Europa, contudo, o escrete quase perdeu esse diamante bruto pelo caminho. Era o último amistoso da equipe antes do embarque. O adversário era o Corinthians, no estádio do Pacaembu. O jogo valia só pela preparação do selecionado (e para engordar o caixa da CBD, que gastaria uma fortuna na viagem à Europa). A jóia brasileira estava no gramado: Edson Arantes do Nascimento, ou simplesmente Pelé, um prodígio de apenas 17 anos. E não é que Ari Clemente, um tosco zagueiro do time paulista, desferiu uma botinada quase homicida no joelho direito do novo craque? Pelé berrou de dor, saiu do gramado aos prantos e deu sinais de que poderia não se recuperar a tempo de jogar o Mundial. Seria possível que, por uma tolice dessas, o Brasil perderia a chance de apresentar ao mundo um talento ímpar como o do menino?
O amistoso foi mesmo um desastre. Não pelo resultado - 5 a 0 Brasil, sem o menor esforço -, mas sim pela recepção lastimável concedida ao escrete. Além da sapatada em Pelé, houve sonoras vaias ao Brasil. A torcida do Corinthians queria a convocação de Luizinho, de 28 anos, que jamais emplacou na seleção e joga justamente na posição de Pelé. Revoltados, os integrantes da comissão técnica tentavam acalmar o garoto no vestiário e diagnosticar com precisão qual tinha sido a gravidade da lesão. A notícia dada pelo médico Hilton Gosling era preocupante: Pelé podia não ficar curado até a Copa. Por ser tão moço, contudo, ainda tinha uma tênue esperança de melhorar no decorrer do torneio. O comando técnico podia cortá-lo ali mesmo, evitando decepções futuras. Mas resolveu apostar em Pelé. Talvez tenha sido a providência decisiva da seleção para conquistar a Copa pela primeira vez. Depois de uma semana, já em solo europeu, Pelé, ainda de joelho inchado, pediu voluntariamente para ser cortado. Mas Feola e Gosling não desistiram.
Comedores de criancinhas
Pelé tem voz grave e físico surpreendente para a idade, o que faz com que muitos esqueçam que se trata de um rapagote. Humilde, tímido e meio caipira, chegou ao Santos há dois anos, vindo de Bauru, no interior de São Paulo. Apesar da recente convivência com os craques do Santos, incluindo alguns integrantes da atual seleção, Pelé ainda não aprendeu todas as manhas do jogador de bola. É por isso que se transformou num alvo freqüente das brincadeiras e piadas dos colegas de concentração na Suécia. Os mais velhos (ou seja, todos) pregavam-lhe peças e zombavam de sua inocência, mas Pelé dava de ombros e ria também. Essa falta de malícia preocupava parte da comissão técnica, que tinha dúvidas sobre o aproveitamento do guri na Copa. Pelé se recuperou a tempo da partida mais aguardada da primeira fase, contra os soviéticos. Surgiu o dilema: ele estava pronto para um desafio tão espinhoso? E justo contra os vermelhos, os comedores de criancinhas? Pelé acabou sendo escalado. E a resposta à dúvida geral foi respondida em cerca de um minuto. Esse foi o tempo de que o menino precisou para acertar a trave dos russos.
Daquele momento até o fim da Copa, Pelé não saiu mais da equipe. No encerramento do certame, já era a grande atração. O mundo reagia com assombro quando ouvia que aquele gênio da bola não tinha nem carteira de motorista. Rápido, habilidoso, inventivo, preciso - é um craque completo, apesar de não ter idade para tal. O que mais impressiona no garoto é justamente isso: sua arte parece ser instintiva, e seu talento, algo nato, que não precisou do tempo para brotar. Agora as dúvidas que cercam Pelé são outras: se continuar nesse ritmo vertiginoso de evolução, até onde poderá chegar? Com idade para jogar mais três ou quatro Copas, quantos troféus ainda conquistará para nós? Pelé não pensa em nada disso: só quer saber de jogar seu futebol e se divertir com os companheiros no gramado. Ainda levará um longo tempo para tomar consciência de seus feitos extraordinários. Ao anotar o último gol da Copa, no lance derradeiro do certame, fechou um capítulo inesquecível da história do esporte. Que seja apenas o primeiro protagonizado por ele. Pelé já surge como uma figura de proporções mitológicas. Aguardem: vem muito mais por aí.
Edição Extra: PERFIL
VEJA, junho de 1958
Pelé tem voz grave e físico surpreendente para a idade, o que faz com que muitos esqueçam que se trata de um rapagote. Humilde, tímido e meio caipira, chegou ao Santos há dois anos, vindo de Bauru, no interior de São Paulo. Apesar da recente convivência com os craques do Santos, incluindo alguns integrantes da atual seleção, Pelé ainda não aprendeu todas as manhas do jogador de bola. É por isso que se transformou num alvo freqüente das brincadeiras e piadas dos colegas de concentração na Suécia. Os mais velhos (ou seja, todos) pregavam-lhe peças e zombavam de sua inocência, mas Pelé dava de ombros e ria também. Essa falta de malícia preocupava parte da comissão técnica, que tinha dúvidas sobre o aproveitamento do guri na Copa. Pelé se recuperou a tempo da partida mais aguardada da primeira fase, contra os soviéticos. Surgiu o dilema: ele estava pronto para um desafio tão espinhoso? E justo contra os vermelhos, os comedores de criancinhas? Pelé acabou sendo escalado. E a resposta à dúvida geral foi respondida em cerca de um minuto. Esse foi o tempo de que o menino precisou para acertar a trave dos russos.
Daquele momento até o fim da Copa, Pelé não saiu mais da equipe. No encerramento do certame, já era a grande atração. O mundo reagia com assombro quando ouvia que aquele gênio da bola não tinha nem carteira de motorista. Rápido, habilidoso, inventivo, preciso - é um craque completo, apesar de não ter idade para tal. O que mais impressiona no garoto é justamente isso: sua arte parece ser instintiva, e seu talento, algo nato, que não precisou do tempo para brotar. Agora as dúvidas que cercam Pelé são outras: se continuar nesse ritmo vertiginoso de evolução, até onde poderá chegar? Com idade para jogar mais três ou quatro Copas, quantos troféus ainda conquistará para nós? Pelé não pensa em nada disso: só quer saber de jogar seu futebol e se divertir com os companheiros no gramado. Ainda levará um longo tempo para tomar consciência de seus feitos extraordinários. Ao anotar o último gol da Copa, no lance derradeiro do certame, fechou um capítulo inesquecível da história do esporte. Que seja apenas o primeiro protagonizado por ele. Pelé já surge como uma figura de proporções mitológicas. Aguardem: vem muito mais por aí.
Edição Extra: PERFIL
VEJA, junho de 1958
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