terça-feira, 10 de junho de 2008

O futuro do poderio dos EUA

Os desastrados oito anos da presidência de George W. Bush, os desequilíbrios da economia dos EUA, os graves problemas políticos e sociais da sociedade americana, as conseqüências da prolongada guerra no Iraque e a emergência da China como superpotência são alguns dos elementos que levam muitos analistas a considerar que o poderio de Washington está em declínio.

No último número da revista Foreign Affairs, dois interessantes artigos, O futuro do poderio americano, de Fareed Zacharia, e A era da não-polaridade, de Richard Haas, merecem uma reflexão mais detida e desapaixonada pela riqueza da argumentação e pela força de suas idéias.

Pareceu-me útil resumir os principais aspectos desses artigos para um público mais amplo, não só porque traçam um quadro realista - claro que do ponto de vista norte-americano -, mas porque ajudam a entender o novo mundo onde o Brasil terá de interagir e onde a política externa terá de fazer as escolhas apropriadas de maneira a que não percamos mais uma vez o bonde da História.

A idéia central de Zacharia é a de que, ao contrário do Império Britânico, os EUA não são uma economia fraca nem uma sociedade decadente. O poderio econômico britânico foi desaparecendo apesar de Londres continuar a manter uma imensa influência política ao redor do mundo. No caso dos EUA, a economia e a sociedade são capazes de responder às dificuldades conjunturais e à competição econômica, pois têm uma forte capacidade de se adaptar e se ajustar. A fraqueza do "império norte-americano" (expressão não empregada no artigo) residiria na existência de um sistema político disfuncional.

Como Washington reagirá a um mundo onde os EUA terão de conviver com a emergência de outros países poderosos? Qual será a resposta a essas mudanças econômicas e de poder político no cenário internacional?

O sistema político rígido e antiquado (agora com mais de 225 anos) foi capturado pelo dinheiro, pelos interesses especiais, por uma mídia sensacionalista e por grupos ideológicos. O resultado é um incessante e virulento debate sobre trivialidades - a política como uma forma de teatro - e muito pouca substância, entendimento ou ação. O país que tudo podia está agora dominado por um processo político que nada faz, em que as disputas partidárias prevalecem sobre a solução dos problemas. Perdeu-se a noção do longo prazo e os partidos se transformaram em grandes arrecadadores de recursos para financiar as eleições, mas são péssimos para ajudar a governar (qualquer semelhança com país muito nosso conhecido é mera coincidência).

Os EUA nas últimas duas décadas se tornaram a única superpotência global. Desde o fim da 2ª Guerra Mundial o mundo, em larga medida, foi moldado conforme as percepções e os interesses americanos. Agora, no entanto, o cenário internacional passa por um dos períodos de maior transformação da História. Depois do surgimento do mundo ocidental, consolidado no final do século 18, e do aparecimento dos EUA no final do século 19, estamos vivendo a terceira grande transferência de poder da era moderna, chamada pelo autor de a "emergência do resto do mundo".

Esse novo mundo em gestação será muito diferente daqueles que o precederam. Sob diversos aspectos, industrial, financeiro, social e cultural - menos quanto ao poder militar e estratégico -, a distribuição de poder está-se transformando, tornando mais difícil a dominação dos EUA . Não se trata de um mundo antiamericano, mas de um mundo pós-americano, definido e orientado a partir de muitos lugares e por muitas pessoas.

Na visão de Zacharia, as grandes transformações globais não ocorrem contra os interesses dos EUA. O "resto do mundo" é que está surgindo, abraçando a economia de mercado, firmando-se como governos democráticos (de uma forma ou de outra) e assumindo uma grande abertura e transparência. Poderá ser um mundo em que os EUA tenham menos espaço, mas as idéias e os ideais norte-americanos, segundo ele, hão de prevalecer de forma poderosa.

O artigo de Richard Haas complementa essa análise sobre o futuro do poderio dos EUA, chamando a atenção para o fato de que a principal característica das relações internacionais no século 21 será a "não-polaridade": um mundo dominado não por um ou por poucos Estados, mas por dezenas de atores que possuem e que exerceriam diversos tipos de poder.

Na percepção do autor, a não-polaridade terá conseqüências majoritariamente negativas para os EUA e para o resto do mundo.

Além de tornar mais difícil a liderança de Washington no momento de buscar respostas coletivas para desafios regionais ou globais, a não-polaridade deixaria o país mais vulnerável às ameaças originadas de ações de Estados párias (rogue States), de grupos terroristas e produtores de energia (que podem ameaçar reduzir a sua produção) e de bancos centrais (cuja ação ou inação pode afetar o papel ou a força do dólar).

Segundo Haas, o multilateralismo deverá predominar nesse novo mundo não-polar. Daí a necessidade de as instituições serem reformuladas para incluir as nações emergentes. A composição do Conselho de Segurança da ONU e do G-8 devem ser alteradas para refletirem o mundo de hoje, e não o do final da 2ª Grande Guerra. Atores governamentais e não-governamentais serão chamados a participar dos debates.

A não-polaridade certamente tornará a atividade diplomática mais difícil e complexa. O mundo não-polar significará mais atores governamentais e não-governamentais. As alianças entre governos serão mais seletivas e de acordo com situações determinadas.

Barack Obama, o candidato a presidente que mais parece personificar a idéia de mudança, talvez já seja um começo de resposta da sociedade norte-americana a esses novos tempos e realidades.

Rubens Barbosa, embaixador do Brasil - Presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp
http://www.rbarbosaconsult.com.br/rubens_barbosa.asp

Nenhum comentário:

 
Locations of visitors to this page