quarta-feira, 25 de junho de 2008

Uma vinheta de 68: o alemão pagou o pato

Na semana que vem completam-se 40 anos do dia em que um esquadrão do Comando de Libertação Nacional, o Colina, foi para uma pequena rua do Jardim Botânico para emboscar o major boliviano Gary Prado, que cursava a Escola de Comando e Estado-Maior do Exército. Em outubro de 1967 ele comandara a patrulha que cercou e capturou o guerrilheiro Ernesto Che Guevara no mato de Quebrada del Yuro.

Nesse breve episódio, encapsularam-se diversos mistérios e falsas certezas comuns ao clima de violência política da época. Hoje, contribui para diluir a fantasia segundo a qual o surto terrorista dos anos 60 e 70 foi decorrência da edição do Ato Institucional nº 5, ocorrida cinco meses depois.
A cena da Rua Engenheiro Alfredo Duarte foi rápida. O cidadão vinha pela calçada, deram-lhe dez tiros e levaram-lhe a pasta. O Che fora vingado, mas por poucas horas.

Quando os assassinos abriram a pasta, souberam que o morto não era Gary Prado, mas o major alemão Eduard von Westernhagen. Os integrantes do pelotão encobriram a lambança com um voto de silêncio. Dois deles foram presos e assassinados nos porões da ditadura, sem que dissessem uma só palavra. O crime ficou sem solução até 1987, quando o historiador Jacob Gorender o desvendou em seu livro “Combate nas trevas”.

(Em 1976 um “Comando Che Guevara” executou em Paris o general Zenteno Anaya, comandante da tropa de Prado. Ele ficara com o fuzil do guerrilheiro.)

Olhado pelo outro lado, o episódio ganhou nova pintura. Von Westernhagen não era Prado, mas também não poderia ser qualquer um. Os militares que investigaram o caso suspeitaram que aquilo tivesse sido coisa do Mossad, o serviço de inteligência israelense. Ainda garoto, ele combatera no Exército alemão e seu sogro teria sido um general da SS, a tropa de elite da máquina nazista. Se esses fossem critérios para execuções sumárias, boa parte da população alemã teria sido dizimada.

O major pertencia a uma família da nobreza militar remediada. Seu pai combatera toda a Primeira Guerra e passou para a reserva em 1944, como coronel. A conexão nazista era fantasia, mas a linhagem do major, desconhecida no Brasil, fizera estragos. Dois primos remotos de Von Westernhagen estiveram nas tropas SS. Um deles, Heinz, combateu nos tanques da festejada Divisão Adolf Hitler. Invadiu a Holanda, a Bélgica e a França. Na Rússia, foi ferido na batalha de Kursk, o maior combate de blindados da História. Com a cabeça arrebentada, perderia gradativamente a memória, o sono e o apetite. Ainda esteve na Normandia e brigou nas Ardenas. Sua unidade fez fama, até ser destruída pelo Exército Vermelho, na Hungria. Em março de 1945, quando faltava pouco mais de um mês para a queda de Berlim, Heinz se matou com um tiro na cabeça, ou foi atingido num bombardeio. Tinha 34 anos. Seu irmão Rolf passou quase toda a guerra na mesma unidade e, em 1945, rendeu-se aos americanos, mas foi entregue aos russos e passou onze anos na Sibéria.

A família de Eduard von Westernhagen acredita que ele estava no Brasil ajudando a “reconstruir o Exército”, coisa que os comunistas queriam impedir. Megalomania explícita.

Em 1981, um tiro acertou Gary Prado. “Fogo amigo”, segundo ele. Perdeu o movimento das pernas, chegou a general e vive em Santa Cruz de la Sierra.

Elio Gaspari, jornalista.

Nenhum comentário:

 
Locations of visitors to this page